O dia começou bem cedo, e lá no alto o amigo Sol já espreita por entre as núvens, que adivinham formas nos nossos pensamentos.
Cá em baixo, a azáfama das pessoas já é notória, a cada passo dado nas ruas da cidade.
Todos correm de um lado para o outro, com as suas faces a expressarem sonolência e contradição em voltar a mais um dia de stress de trabalho.
As suas expressões são reflexo dos seus pensamentos, que teimam em as acompanhar naquela correria toda.
De um lado para o outro, a agitação é vivida entre a poluição atmosférica de cada cigarro, e sonóricamente pelos buzinares impaciêntes dos carros que formam filas infinitas nas ruas que deliniam a cidade.
E, no meio de tanta confusão, lá estás tu!
Num canto escolhido por ti, num canto só teu.
Estás tu sentado sobre o cimento sujo e frio, do qual dedicas todas as horas do teu dia.
E lá estás tu!
Com o teu ar cansado e ferido do tempo, que foi dificilmente duro para contigo. Os teus olhos sem brilho inquietem-se de um lado para o outro, num movimento de observação constante às pessoas que por ti passam.
O teu corpo sujo e cansado, teima em não se mexer, e obriga-te a ficar aí, encostado no teu canto das lamentações.
Pobre de ti!
No meio de tanta alma, sentado no canto só teu, tentas, com humildade, chamar a atenção de quem passa por ti e que teima em não te oferecer um simples olhar, ou um honesto sorriso.
Contudo, não estás só!
Em tua companhia está um ser puro e meigo que não desiste em partilhar contigo as horas que compõem o vosso dia.
E lá está ele!
Sempre aninhado a teu lado e a olhar-te com admiração e carinho.
Admiração, por continuares a tua luta diária pela vida, que um dia foi cruel contigo. E carinho, porque um dia lhe consideraste como amigo, e partilhaste o teu cantinho com ele. Para que juntos, e unidos, possam lutar por cada dia das vossas vidas.
E lá continuas tu!
A tentar, com humildade, cativar o olhar deste e daquele, que cruza no teu canto. Mas, infelizmente, não tens tido muito sucesso.
Embora, em certos momentos, apareça uma alma que te dá um pouco de atenção e, desse modo, enche o teu coração de alegria e esperança.
Lamentavelmente, no momento seguido a essa alegria, surge outra alma que te olha com pena e desprezo.
E nesse mesmo instante, consegue fazer com que a tua alegria desapareça, dando lugar à frustração e à vergonha.
Vais-te a baixo!
Consequência disso, abrandas a tua força de esperança, e ficas aí sentado apenas a desabafar com o teu amigo inseparável.
No meio de tantos desabafos e lágrimas, como de que transmissão de pensamentos, esse teu amigo, sincero amigo, transmite-te uma nova força e vontade de lutar, tamanha é a expressão do seu olhar.
Sim, ele é a tua fonte de energia!
Com isso, logo de seguida, levantas os olhos ao mundo, e continuas a luta pela vida, ou por um pouco de vida.
Apesar de tudo, é bom ver e saber, que ainda há pessoas fortes de espírito e com força de lutar, independentemente da situção e condição.
Pessoas que, tal como tu, não baixam os braços por causa de olhares penosos e desprezíveis, de pessoas que só o fazem porque na realidade têm medo. Medo de um dia serem como tu.
Temem só pelo teu aspecto, pelo teu ar, pois no que toca ao teu dom interior, é algo que elas admiram por não o possuírem. Consequência de não sabem lutar pela vida, tal como tu.
Chegada a hora limite do dia, todos se recolhem em suas casa com as suas familias.
E tu continuas aí!
Continuas no teu canto, com a tua familia, o teu amiguinho e companheiro de luta. Aí ficas à espera de mais um nascer de um novo dia, um novo dia de luta pela vida.
E assim será, até ao teu último suspiro, que ditará a tua partida para um mundo melhor. Aquele mundo que todos desejam conhecer, mas que só alguns o conhecerão, e tu serás um deles… Terás direito a esse tão desejado mundo.
Nesse dia, deixarás para trás o teu cantinho, para assim, dares lugar a outro ser como tu.
Até lá, e durante a tua luta diária, passarei, respeitosamente, diante do teu canto, e irei oferecer-te, sempre, o meu mais honesto sorriso, acompanhado de um olhar, sincero, de força e admiração.
Dedico este texto a um sem-abrigo, que vive a sua luta diária num canto da nossa cidade e pelo qual tenho admiração e carinho.
Dedico igualmente aos outros como ele, sem-abrigos, que vivem nas nossas ruas, e que foram esquecidos pelo nossos, ditos, governantes.
Sem-abrigos que lutam diáriamente pela sua sobrevivência e por um pouco de vida.
Ele, e muitos como ele, são o exemplo, vivo, de que as aparências iludem. E muito!
Quem anda, por aí, bem parecido e cheio de bens materiais, muitas vezes, são os que vivem numa pobreza imensa de espírito e coração.
E, na verdade, os pobres de bens, são milionários no seu coração e espírito.
Que Deus os ajude e proteja!
Masta Costa